"...é concebível que acabemos descobrindo mais e não menos mulheres autistas, assim que examinarmos melhor; talvez a célebre vantagem feminina na linguagem e inteligência social proteja algumas mulheres, nascidas com a herança genética do autismo, excluindo-as da categoria diagnosticável de "autismo de alto funcionamento" e incluindo-as na forma disfarçada e não manifesta do distúrbio.(...)" (John J. Ratey e Catherine Johnson, no livro "Síndromes Silenciosas", p.235 Ed. Objetiva)
"A alma dos diferentes é feita de uma luz além. Sua estrela tem moradas deslumbrantes que eles guardam para os poucos capazes de os sentir e entender. Nessas moradas estão tesouros da ternura humana dos quais só os diferentes são capazes. Não mexa com o amor de um diferente. A menos que você seja suficientemente forte para suportá-lo depois". (Arthur da Távola)

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domingo, 28 de fevereiro de 2010

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Olá!
Estou feliz por estar dividindo esta minha experiência com vocês.
A idéia do blog veio do meu marido, porém já havia a necessidade terapêutica de escrever um diário, e aqui estou eu em pleno domingo realizando minha tarefa, meu sonho, minha necessidade: Tentar organizar esta mente "ansiosa e confusa"!
Como farei relatos verídicos que envolvem terceiros, omitirei nomes e usarei um pseudônimo ou "nickname"(como diria meu filho adolescente), o codinome escolhido é Tidy inspirado na sigla T.I.D. que significa Transtorno Invasivo do Desenvolvimento, dentro do qual está classificado o autismo.
Tenho 38 anos, mãe de dois filhos: um menino com 14 anos, que mora com minha mãe, e uma menina com 4 anos que é diagnosticada autista, tenho ainda uma enteada com 10 anos que mora com minha sogra, só a pequena de quatro anos é que mora junto com a gente.
A descoberta, digo assim pois não fui diagnosticada formalmente, de ser portadora da Síndrome do Espectro Autista(este termo engloba o autismo clássico, a síndrome de Asperger e o autismo de alto funcionamento, e outras denominações), aconteceu em meados do ano de 2009, quando minha filha, na época com 3 anos foi diagnosticada formalmente por um psiquiatra infantil e um neuropediatra, como Autista.
Na verdade eu e meu marido nos descobrimos portadores do "espectro autista", podemos ser chamados também de portadores da" Síndrome de Asperger", ou ainda "autistas de alto funcionamento" e várias outras denominações, todas dentro do "Transtorno Invasivo do Desenvolvimento", e agora vou citar um trecho muito interessante de uma palestra do Dr. Christopher Gillberg, em out/2005 no auditório do InCor em SP:
"Eu gostaria de acentuar que chamar este transtorno de autismo de alto funcionamento, é inadequado porque o termo sugere que o autismo é de alto funcionamento, que o autismo é leve, quando na verdade o que você está querendo é denominar uma pessoa de alto funcionamento com autismo. Então, essa pessoa pode ter um bom QI ou uma boa compreensão verbal ou uma boa expressão verbal, mas seu autismo é normalmente tão grave quanto o de uma pessoa descrita com autismo de baixo funcionamento. Então, por favor: usem alto funcionamento para a pessoa, não para o autismo, de maneira a permitir uma compreensão mais profunda de quão grave o autismo pode ser, mesmo para alguém com Síndrome de Asperger...E então,finalmente, há o chamado autismo atípico, que também não é um bom termo, porque sugere que as pessoas são atípicas e não o autismo."
Com esta citação eu tento mostrar que as designações existem, com certeza ajudam, mas se deve ter muito cuidado para não minimizar o sofrimento dos autistas que tem consciência do próprio trasntorno, não é porque sabemos que conseguiremos fazer as conexões que nossa mente não faz, podemos treinar muito e situação por situação começarmos a nos adequar, mas este é um processo lento e doloroso que muitas vezes não acontece por falta de acesso a profissionais com especialização em autismo, existem hoje em dia muitas técnicas para crianças, mas para nós adultos, é mais difícil.
Vou citar outro profissional: Dr. Simon Baron-Cohen, que no seu livro "Diferença essencial: a verdade sobre o cérebro de homens e mulheres." diz:
"...Dirijo uma clínica em Cambridge para adultos com suspeita de serem portadores da síndome de Asperger. Esses indivíduos não tiveram os problemas detectados na família nem na escola enquanto ainda eram crianças. Assim, atravessaram a infância e a adolescência aos trancos e barrancos, e chegaram à idade adulta acumulando dificuldades, até serem encaminhados à nossa clínica, desesperados pela falta de integração, por se sentirem diferentes.
Na maioria dos casos, esses paciente sofrem também de depressão clínica, já que não encontram um ambiente, em termos de trabalho e de companheiro(a), que os aceite em sua diferença. Querem ser eles mesmos, mas são forçados a "vestir" um personagem, tentando desesperadamente não ofender, dizendo ou fazendo a coisa errada, e ainda assim, sem saber quando vão receber uma reação negativa ou ser considerados" seres estranhos".
Muitos deles se esforçam em administrar um enorme conjunto de regras relativas ao comportamento em cada situação, e consultam de minuto a minuto uma espécie de tabela mental, buscando o que dizer e o que fazer. É como se tentassem escrever um manual de interação social baseado em regras de causa e efeito, ou como se quisessem sistematizar o comportamento social, quando a abordagem natural à socialização deve ser através da empatia.
Imaginem um livro bem grosso de etiqueta sobre como agir em jantares,...mas escrito em detalhes, para cobrir todas as eventualidades do discurso social. Claro que é impossível aprender tudo, e embora alguns desses indivíduos brilhantemente quase consigam, acabam fisicamente exaustos. Quando chegam em casa depois do trabalho, onde fingiram interagir normalmente com os colegas, a última coisa que querem é socializar. Só pensam em fechar a porta do mundo e dizer as palavras ou praticar as ações que tiveram de reprimir o dia todo. Gostariam que os outros dissessem o que pensam e que eles pudessem fazer o mesmo; não entendem porque não podem. É difícil para eles compreender como uma palavra sincera pode ofender ou causar problemas sociais.
É a falta da tal da empatia, palavra que para nós autistas parece ser a "chave" para a paz mental tão almejada, e com certeza estará presente nos próximos relatos, ah essa tão sonhada empatia...
Abraço!
P.S.: Deixarei meu e-mail para contato: tidymae@hotmail.com

2 comentários:

  1. GRACE!FIQUE CHOCADA, QUANDO COMECEI A LEITURA..MAS TE ENTENDO E AGORA ENTENDO AÍNDA MELHOR O MEU FILHO. SÓ TENHO, QUE TE AGRADECER POR ESTARES DIVIDINDO A TUA HISTÓRIA, QUE É UM EXEMPLO PARA TODOS NÓS.ABRAÇOS.

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  2. SERÁ QUE O MEU FILHO COM 7 ANOS TEM ESTA CONCIÊNCIA DE, QUE É "PORTADOR DE UMA SÍNDROME CHAMADA DE AUTISMO"?ELE PERCEBE MUITO TUDO O QUE ACONTECE, TEM UMA MEMÓRIA EXCELENTE, É VERBAL, MAS QUASE NÃO FALA, NEM SE RELACIONA COM AS OUTRAS PESSOAS ALÉM DE MIM E DA IRMÃ.É VERDADE ISSO TUDO O QUE DISSESSE...É AOS TRANCOS E BARRANCOS..COMO COBAIAS DE ALGUNS "APRENDIZES, OUTROS DITOS ESPECIALISTAS";EU SINTO ASSIM, COMO MÃE E ISSO ME REVOLTA MUITO.

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Autismo de alto funcionamento:

"Eu gostaria de acentuar que chamar este transtorno de autismo de alto funcionamento, é inadequado porque o termo sugere que o autismo é de alto funcionamento, que o autismo é leve, quando na verdade o que você está querendo é denominar uma pessoa de alto funcionamento com autismo.

Então, essa pessoa pode ter um bom QI ou uma boa compreensão verbal ou uma boa expressão verbal, mas seu autismo é normalmente tão grave quanto o de uma pessoa descrita com autismo de baixo funcionamento.

Então, por favor: usem alto funcionamento para a pessoa, não para o autismo, de maneira a permitir uma compreensão mais profunda de quão grave o autismo pode ser, mesmo para alguém com Síndrome de Asperger..."

(Dr. Christopher Gillberg, em out/2005 no auditório do InCor em SP)

Dr. Simon Baron-Cohen, diz no seu livro "Diferença essencial: a verdade sobre o cérebro de homens e mulheres.":

"...Dirijo uma clínica em Cambridge para adultos com suspeita de serem portadores da síndome de Asperger. Esses indivíduos não tiveram os problemas detectados na família nem na escola enquanto ainda eram crianças.

Assim, atravessaram a infância e a adolescência aos trancos e barrancos, e chegaram à idade adulta acumulando dificuldades, até serem encaminhados à nossa clínica, desesperados pela falta de integração, por se sentirem diferentes.

Na maioria dos casos, esses paciente sofrem também de depressão clínica, já que não encontram um ambiente, em termos de trabalho e de companheiro(a), que os aceite em sua diferença. Querem ser eles mesmos, mas são forçados a "vestir" um personagem, tentando desesperadamente não ofender, dizendo ou fazendo a coisa errada, e ainda assim, sem saber quando vão receber uma reação negativa ou ser considerados" seres estranhos".

Muitos deles se esforçam em administrar um enorme conjunto de regras relativas ao comportamento em cada situação, e consultam de minuto a minuto uma espécie de tabela mental, buscando o que dizer e o que fazer. É como se tentassem escrever um manual de interação social baseado em regras de causa e efeito, ou como se quisessem sistematizar o comportamento social, quando a abordagem natural à socialização deve ser através da empatia.

Imaginem um livro bem grosso de etiqueta sobre como agir em jantares,...mas escrito em detalhes, para cobrir todas as eventualidades do discurso social.

Claro que é impossível aprender tudo, e embora alguns desses indivíduos brilhantemente quase consigam, acabam fisicamente exaustos. Quando chegam em casa depois do trabalho, onde fingiram interagir normalmente com os colegas, a última coisa que querem é socializar. Só pensam em fechar a porta do mundo e dizer as palavras ou praticar as ações que tiveram de reprimir o dia todo.

Gostariam que os outros dissessem o que pensam e que eles pudessem fazer o mesmo; não entendem porque não podem.

É difícil para eles compreender como uma palavra sincera pode ofender ou causar problemas sociais."...

POEMA EM LINHA RETA

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.


Fernando Pessoa
(Álvaro de Campos)


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