"...é concebível que acabemos descobrindo mais e não menos mulheres autistas, assim que examinarmos melhor; talvez a célebre vantagem feminina na linguagem e inteligência social proteja algumas mulheres, nascidas com a herança genética do autismo, excluindo-as da categoria diagnosticável de "autismo de alto funcionamento" e incluindo-as na forma disfarçada e não manifesta do distúrbio.(...)" (John J. Ratey e Catherine Johnson, no livro "Síndromes Silenciosas", p.235 Ed. Objetiva)
"A alma dos diferentes é feita de uma luz além. Sua estrela tem moradas deslumbrantes que eles guardam para os poucos capazes de os sentir e entender. Nessas moradas estão tesouros da ternura humana dos quais só os diferentes são capazes. Não mexa com o amor de um diferente. A menos que você seja suficientemente forte para suportá-lo depois". (Arthur da Távola)

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segunda-feira, 21 de junho de 2010

Insight I

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Olá!

Desde que descobri ter comportamento autístico, e isto faz um ano apenas, que fique bem claro, eu a cada dia renasço mais inteira, o “quebra cabeça” vai se organizando, hoje entendo perfeitamente porque a imagem que representa o autismo é este jogo intrigante e ao mesmo tempo tão óbvio.

O autismo é óbvio, ou melhor dizendo o nosso entendimento é óbvio, direto, claro, sem subterfúgios.

Somos fiéis até sermos traídos, somos gentis até sermos hostilizados, somos amorosos quando somos amados, enfim vivemos num mundo considerado por muitos como o ideal, um mundo justo sem mentiras, tramas, trapaças, enganações e as temidas “segundas intenções”, podemos ser confundidos com “boas pessoas”, mas como o mal não existe, é simplesmente a ausência do bem, e o conhecimento de que tudo é bom nos liberta do mal, obviamente que a nossa resposta ao tratamento hostil será tão dura quanto a de quem nos foi hostil.

Vivemos a lei da ação e reação ao pé da letra, mas havemos de não confundí-la com a lei de Talião, a do “olho por olho”, a do aqui se faz aqui se paga, simplesmente reagimos de acordo com o meio, simples assim.

E neste caso aí somos considerados egoístas, frios, egocêntricos, e realmente incomodamos.

A autista diz tudo o que pensa, mas nem tudo que sente.

Traduzimos muito bem o que é do pensamento concreto, mas o que é efêmero, fugaz, abstrato simplesmente não é passado para a condição verbal e isso não quer dizer que sentimentos não existam para nós.

Pois assim são meus pensamentos a cada segundo da minha existência, oscilando entre o que é concreto e o que não é, pensamentos se repetem sem alívio na minha cabeça, peço muitas vezes para que Deus acabe com isso.

Vejo na minha filha autista os mesmos sentimentos, porém ela tem o que para mim seria o BEM mais precioso: a ausência da fala, do verbo.

Falar o que se pensa sem conseguir filtrar através do bom senso é extremamente cansativo, eu concluo e revejo minhas conclusões infinitamente, e quase sempre acabo de alguma forma verbalizando este processo, e isto me impede literalmente de interagir socialmente, eu vivo como se fosse um dia que se repete eternamente.

Alguns anos atrás um amigo muito querido e estimado tentando me ajudar me disse que o livro da minha vida era enorme mas que no entanto eu havia escrito pouquíssimas páginas, e que para piorar eu as lia incansavelmente, ele me pedia para que eu começasse a escrever as páginas seguintes, que isso seria bom.

Passei muitos anos tentando escrever esta nova página, tentando vislumbrar este futuro, este simples “amanhã” ou o “outro dia”, mas para mim é muito difícil, para não dizer impossível, é abstrato demais.

O passado para mim é o que existe, é o que eu posso ver, sentir, vivenciar.

O futuro? Eu não sei o que é, então não existe.

E como viver assim???

Simplesmente repito sempre a mesma coisa, repito o que já foi, pois é o que eu sei como é.

Ontem eu e a Anna estávamos mais uma vez sozinhas, o papai Anderson viajou a trabalho novamente, então como era domingo e dia de jogo do Brasil na copa do mundo e sem querer ofender aos amantes do esporte, eu não dou muita importância para este campeonato, eu pedi para minha irmã para irmos para a sua casa, mas eu não imaginei a possibilidade de ter mais gente lá, e dito e feito: a casa se encheu de gente e eu me vi encurralada, tentei dar um suporte para minha filha que se apavorou com a movimentação e ao mesmo tempo me refugiar nesta posição de “mãe que tem que cuidar da filha”, mas logo fui solicitada para me juntar ao grupo.

Enfim, havia no grupo uma pessoa que me inspirava confiança, mas no entanto era a primeira vez que eu conversava com esta pessoa, e normalmente “pessoas boas” geram para mim uma falsa intimidade e uma sinceridade exagerada e então e eu me senti a vontade para conversar, e acabei falando coisas que eu sempre falo e me arrependo quando o assunto é filhos e família, eu repeti uma coisa que eu sempre digo e depois me arrependo:

Eu sempre digo que não tenho instinto maternal, mas isto não procede, então porque eu falo??

Porque eu quero dizer que não tenho habilidade com crianças de zero a seis anos, eu quero simplesmente dizer que a dependência da criança com as necessidades essenciais me incomoda.
Acabo sempre fazendo um discurso e uma crítica, que nem eu agüento mais ouvir, sobre as etapas de desenvolvimento infantil, eu sempre digo a mesma coisa: que a fase “larval” humana é muito longa e que passamos muito tempo na condição de mãe, e eu encerro este desastroso discurso sempre com a mesma frase: Eu não tenho nenhum instinto maternal!

Isto choca e agride as pessoas, pois a figura materna é sagrada e eu venho e praticamente resumo a nossa longa infância como um defeito.

Ter um filho Aspie e uma filha autista me exclui de passar com meus filhos pela situação normal de ser muito solicitada em algumas situações que talvez outras crianças solicitem, somos mais independentes no que diz respeito a solidão, ao estar só, nós autistas lidamos bem com o estar só dentro do nosso mundo, mas não no mundo coletivo.

Eu sei que depois deste insight não farei mais este discurso puramente biológico sobre as fases do crescimento em público, percebi claramente que com este dicurso eu passo a impressão de ser fria ou ignorante e sempre que eu percebo o mecanismo que me faz ter estes comportamentos indesejados eu automaticamente paro de tê-los, as vezes levo anos para detectá-los.

Pronto! Alterei meu futuro. Mais uma libertação!!

Mais um "insight", uma clara compreensão de uma questão, que geralmente chega de forma repentina, e me liberta.

Uma pessoa pode me explicar mil vezes este mesmo problema, mas enquanto eu não tenho este "insight" eu não vivencio este aprendizado, afinal o saber é fácil o difícil é ter sapiência!!

Passei um tempão sem escrever e acho que hoje me alonguei muito, mas são nestes raros momentos que faço contato com o mundo real então me empolgo.

Abraço e até a próxima!!

5 comentários:

  1. Boa noite Grace,
    Tão bom que se tenha libertado e escrito para nós seus leitores o que lhe vai na alma.

    Adorei ler o seu texto e sentir essa luz no seu pensamento.

    Gosto de si tal como é!

    Beijinhos,
    Ana Martins
    Ave Sem Asas

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  2. Oieeeee! Concordo com algumas coisas que vc diz mas não concordo com outras e como o comentário é aberto e sou sua amiga, acho que posso falar minha opinião pois o objetivo é fazer vc questionar alguns pensamentos seus e tentar se descobrir de forma positiva e alegre.

    Você expõe que a falta de fala pra sua filha é um BEM que ela tem e apesar de entender nas entrelinhas o que vc quer dizer, acho que vc não devia pensar nisso de forma positiva porque a palavra e o pensamento tem poderes. A falta de fala pode não ser tão importante, ao seu ver, nesse momento mas acho que vc devia ajudar ela e MUITO a falar pois futuramente ela vai precisar da fala pra se defender, comprar coisas, namorar e etc... É ruim não saber como expressar seus sentimentos e as vezes ser julgada por falas que saem da boca depois de pensamentos concretoas mas é pior não poder se expressar de forma nenhuma. Não tenho nada contra as pessoas surdas-mudas mas elas se expressam através de sinais porque possuem uma deficiencia, aposto que se surgisse um tratamento para que elas comecem a falar ou uma pílula para poderem falar, elas iriam querer.... portanto, acho que vc deve estimular a fala dela a todo momento.

    Outra coisa é sobre o instinto maternal. Acho que vc tem muito instinto maternal porem tem uma convivência com os seus filhos diferente das outras mães com os filhos delas. Mas não é porque um autista está sozinho que ele queira estar sozinho. As vezes ele não sabe expressar vontade dele de ter companhia ou não sabe como abordar alguém mesmo que esse alguém seja a sua mãe por isso acho que vc deveria fazer son rise com a sua filha todos os dias. Brincar de muitas coisas, repetir algumas palavras fáceis MUITAS vezes e pedir pra ela tentar, estimular o olhar vestindo chapéus coloridos e óculos grandes, comprar boliches, livros de faz de conta e contar historias fazendo barulhos e tentando fazer ela apontar (onde está tal coisa em um desenho, por exemplo) e etc... assim você cria um vinculo maior com sua filha e ajuda ela a evoluir e se entender tbm, além de ser super divertido...

    Se vc não se importasse tanto de ficar sozinha e fosse tão independente não teria escrito sobre a viagem do seu marido. Tá certo que jogos de futebol cheios de gente pode ser muito difícil pois são muitos estímulos ao mesmo tempo: visual, áudio, cheiro... etc mas tem que se esforçar!

    Lu está autista faz 11 anos e exige muito da gente. Hoje ele já chama a gente pra brincar, adora estar em nossa companhia, vive ligando pros colegas apesar de as vezes querer ver os outros brincar e acaba brincando sozinho mas aos poucos vai melhorando a interação.

    É isso! Que vc se descubra a cada dia e que a filhota evolua sempre.

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  3. Grace,

    entendo o que escreve e juro que sei o que sente... é chato ter que ficar pensando e repensando o que vai dizer pra não magoar as pessoas... eu sou bem aberta as coisas e não gosto de frescuras quando as pessoas vêm me falar o que pensam... eu falo pros meus amigos falarem logo as coisas pq detesto enrolação... sei que com autistas é diferente pq vocês falam as coisas de um modo simples que choca, rs... pq a gente complica tanto? As vezes eu queria ter o conrect think que vocês tem e gostaria que o mundo fosse assim... esse verniz social que a vida exige as vezes cansa né? Se o mundo fosse sem rodeios seria mais fpacil e saberiamos em que poderiamos confiar e talvez não existisse maldade pq as pessoas falariam logo o que pensam.. sei lá, tô aqui imaginando um mundo melhor...
    Imagino o que passou no jogo e sei o quanto é horrível ser julgada por uma fala... pq por tras daquilo tem uma vida, experiências, etc... tô procurando julgar menos as pessoas e isso eu aprendi com o Lu :)
    Se tivermos uma visão positiva dos nossos obstáculo, a gente os vê como aprendizado... e você está percebendo isso né?
    Adorei o post e a comparação do seu amigo da vida com o livro... pq existem tantas páginas que insistimos em reler? Será que é a zona de conforto? O medo de virar a página sem saber o que virá? Sejamos fortes pq estamos preparadas e vamos conseguir... vc é forte e inteligente e seu livro tá cada vez mais lindo... beijos!

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  4. Oi Karlinha!!
    Tá tudo bem!!
    Eu imaginei que esta polêmica surgiria.
    Entendo e respeito sua opinião mas por mais contraditório que seja eu tenho uma comunicação muito boa com a minha filha e estimulo e traduzo a comunicação com ela, e me preocupo muito em interagirmos, o método "son rise" é usado e temos muitos resultados positivos.
    Beijão!

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  5. Ai ai Grace!
    O que é instinto marternal?
    Acho vc tão dedicada , tão amorosa procupada com os filhos...vc é ótima mãe menina!
    Beijos querida!!!!!!

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Autismo de alto funcionamento:

"Eu gostaria de acentuar que chamar este transtorno de autismo de alto funcionamento, é inadequado porque o termo sugere que o autismo é de alto funcionamento, que o autismo é leve, quando na verdade o que você está querendo é denominar uma pessoa de alto funcionamento com autismo.

Então, essa pessoa pode ter um bom QI ou uma boa compreensão verbal ou uma boa expressão verbal, mas seu autismo é normalmente tão grave quanto o de uma pessoa descrita com autismo de baixo funcionamento.

Então, por favor: usem alto funcionamento para a pessoa, não para o autismo, de maneira a permitir uma compreensão mais profunda de quão grave o autismo pode ser, mesmo para alguém com Síndrome de Asperger..."

(Dr. Christopher Gillberg, em out/2005 no auditório do InCor em SP)

Dr. Simon Baron-Cohen, diz no seu livro "Diferença essencial: a verdade sobre o cérebro de homens e mulheres.":

"...Dirijo uma clínica em Cambridge para adultos com suspeita de serem portadores da síndome de Asperger. Esses indivíduos não tiveram os problemas detectados na família nem na escola enquanto ainda eram crianças.

Assim, atravessaram a infância e a adolescência aos trancos e barrancos, e chegaram à idade adulta acumulando dificuldades, até serem encaminhados à nossa clínica, desesperados pela falta de integração, por se sentirem diferentes.

Na maioria dos casos, esses paciente sofrem também de depressão clínica, já que não encontram um ambiente, em termos de trabalho e de companheiro(a), que os aceite em sua diferença. Querem ser eles mesmos, mas são forçados a "vestir" um personagem, tentando desesperadamente não ofender, dizendo ou fazendo a coisa errada, e ainda assim, sem saber quando vão receber uma reação negativa ou ser considerados" seres estranhos".

Muitos deles se esforçam em administrar um enorme conjunto de regras relativas ao comportamento em cada situação, e consultam de minuto a minuto uma espécie de tabela mental, buscando o que dizer e o que fazer. É como se tentassem escrever um manual de interação social baseado em regras de causa e efeito, ou como se quisessem sistematizar o comportamento social, quando a abordagem natural à socialização deve ser através da empatia.

Imaginem um livro bem grosso de etiqueta sobre como agir em jantares,...mas escrito em detalhes, para cobrir todas as eventualidades do discurso social.

Claro que é impossível aprender tudo, e embora alguns desses indivíduos brilhantemente quase consigam, acabam fisicamente exaustos. Quando chegam em casa depois do trabalho, onde fingiram interagir normalmente com os colegas, a última coisa que querem é socializar. Só pensam em fechar a porta do mundo e dizer as palavras ou praticar as ações que tiveram de reprimir o dia todo.

Gostariam que os outros dissessem o que pensam e que eles pudessem fazer o mesmo; não entendem porque não podem.

É difícil para eles compreender como uma palavra sincera pode ofender ou causar problemas sociais."...

POEMA EM LINHA RETA

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.


Fernando Pessoa
(Álvaro de Campos)


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