"...é concebível que acabemos descobrindo mais e não menos mulheres autistas, assim que examinarmos melhor; talvez a célebre vantagem feminina na linguagem e inteligência social proteja algumas mulheres, nascidas com a herança genética do autismo, excluindo-as da categoria diagnosticável de "autismo de alto funcionamento" e incluindo-as na forma disfarçada e não manifesta do distúrbio.(...)" (John J. Ratey e Catherine Johnson, no livro "Síndromes Silenciosas", p.235 Ed. Objetiva)
"A alma dos diferentes é feita de uma luz além. Sua estrela tem moradas deslumbrantes que eles guardam para os poucos capazes de os sentir e entender. Nessas moradas estão tesouros da ternura humana dos quais só os diferentes são capazes. Não mexa com o amor de um diferente. A menos que você seja suficientemente forte para suportá-lo depois". (Arthur da Távola)

Seguidores

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Qual é a vantagem de ser "alto funcionamento"??

Me incomoda profundamente esta discussão sobre as formas que o autismo se manifesta.

Preciso dizer que tenho profundo respeito pelos autistas com comprometimento grave, até porque minha filha é bem comprometida.

Eu posso dizer porque esta discussão me incomoda:
Lutei a vida inteira para usar a minha "INTELIGÊNCIA" para amadurecer emocionalmente, foram milhares "planos infalíveis" e "projetos perfeitos", todos terminaram num extraordinário fracasso.

E ouvi bilhões de vezes:
"Nossa você é tão inteligente!!Porque não usa sua inteligência para conviver melhor??"

O que algumas pessoas não sabem é que escolaridade não dá inteligência emocional, ou "autonomia" emocional. Pelo contrário, para mim quanto mais eu sei, menos eu vivencio.

Eu me lembro de ter dito várias vezes para minha mãe, quando eu era criança, que eu queria ser "burra" igual aos meus irmãos, pois eles nunca se importavam com as coisas que faziam de errado, eu achava que se conseguisse parar de racionalizar tudo conseguiria brincar e me divertir como eles, e conseqüentemente não estaria presa ao meu pensamento, eu desejava sentir e não saber.

Foram 37 anos de tentativas de me relacionar de forma adequada, 37 anos de fracasso.

Meu casamento sobrevive hoje porque o esclarecimento sobre a nossa condição nos deu esta oportunidade , então resolvemos conciliar nossas severas rotinas.

Atualmente eu vivo reclusa, isolada.
Temos uma vida financeira limitadíssima.
Depender financeiramente me destrói. Apesar de nunca ter sido cobrada pelo meu marido.
Mas sou cobrada por alguns familiares, e por mim mesma.
Trabalhar fora de casa se tornou impossível.

Eu sempre gostei de fazer trabalhos manuais (pintura, tricô, etc) atividades que poderiam me ajudar a me ocupar e talvez melhorar nossas finanças, se tornaram muito difícil para mim, não consigo mais fazer.

Quanto mais eu penso, mais confusa eu fico, e a cabeça não para.

Escrever este blog é a única atividade que tenho além das tarefas domésticas.

Esses dias quando eu cumpria um compromisso familiar, participando de uma comemoração de aniversário, uma pessoa me perguntou:
- Grace o que vc faz o dia todo fechada dentro da sua casa??Você não sai nunca??

Eu respondi:
- Faço os serviços domésticos, e as vezes fico mais de uma semana sem sair de casa.

E ela ficou me olhando sem resposta e depois de um tempo respondeu:
- Pois se eu tiver que ficar um dia todo em casa eu chamo até uma vizinha desconhecida para conversar.


Não consigo encarar o que eu vivo como uma simples forma diferente de viver.
Acho que como ainda é muito recente a minha descoberta, eu ainda não tive tempo de reaprender a viver.
Me recuso a voltar a fazer planos infalíveis.

Desculpem as queixas, obrigada por me dar a oportunidade de interagir.
Abraços e fiquem com Deus!

Grace Caroline

tidymae@hotmail.com

5 comentários:

  1. Grace,
    Obrigada por partilhar connosco o turbilhão de emoções que sente. Preciso de dizer que admiro pessoas assim, e agradecer por tudo o que me ensinam em relação às emoções e ao convívio social, tudo aquilo que a escola esquece ou não consegue ensinar.
    A Grace não precisa de sorte, nao precisa de ser diferente... Precisa de ser a Grace que os seus filhos e pessoas mais próximas conhecem. Porque eu sei que, por mais que tente aproximar-se do mundo, o mundo afasta-se... Por isso, fecha os olhos, respire fundo e viva a sua vida, como gosta, como tem de ser vivida.
    Por enquanto, eu vou continuar a visitar este canto e a tentar mostrar ao mundo o vosso melhor lado!

    ResponderExcluir
  2. Olá Bárbara!
    Quase sempre me comovo muito com os comentários que recebo.
    Mas este que vc fez foi muito significativo.
    Eu entrei no blog para excluir esta postagem, achei que estava muito agressivo, e minha intenção não é ficar somente me queixando, e também pensei que poderia estar ofendendo as pessoas e familiares com autismo de comprometimento severo, pois eu sei que deveria agradecer mais do que reclamar, mas é que as vezes precisamos desabafar!!
    Muito Obrigada!
    Que DEus te abençoe eternamente!

    ResponderExcluir
  3. Ah!!! o blog ficou lindo de cara nova!!!
    As fotos são lindas demais!!!!

    ResponderExcluir
  4. Eu me emociono quando você escreve. Tento entender a maneira como você vê mundo e todos os dias quando chego ao trabalho olho para meus pequenos e penso: Como será que a Grace pensava quando era pequena?
    E converso quando eles, todos os dias, dizendo o quanto eles são importantes na minha vida. Que confio neles e que estarei sempre ao lado, apoiando e vibrando com cada vitória.
    Obrigada. Obrigada! Seu valor é imenso.
    Um grande abraço,
    da sua amiga.

    ResponderExcluir
  5. Meus planos infalíveis quase nunca falham... por outro lado quase nunca são colocados em prática rsrs.
    Ultimamente tenho tentado fazer o q eu gosto e não o q a sociedade acha q seria melhor q eu fizesse, mas é bem difícil! Hoje mesmo recusei um convite pra ir a praia e outro pra ir a um churrasco. Não sentia vontade de ir, porque eram pessoas q eu não conhecia bem e porque foi de última hora. Meu namorado não gostou muito... acontece que ele não entende que isso que ele considera diversão, pra mim pode ser um tormento!! Acontece também que eu não sei explicar aquilo que nem eu entendo! Fala sério!!
    Acho que só existiria vantagem no meu alto funcionamento, se eu conseguisse não me abalar com meu baixo funcionamento para as atividades "normais" do cotidiano. Numa entrevista ao Fantástico um médico disse que o autista pode ser muito competente, que é questão de aproveitar as habilidades, sem se prender às dificuldades. Espero que eu consiga fazer isso agora que sei dos meu traços autistas... talvez agora eu me cobre menos e sinta menos culpa. Talvez... quem sabe... assim espero! É bem verdade que o médico não disse que podemos ser competentes E felizes!rsrs Fala sério de novo!

    ResponderExcluir

Autismo de alto funcionamento:

"Eu gostaria de acentuar que chamar este transtorno de autismo de alto funcionamento, é inadequado porque o termo sugere que o autismo é de alto funcionamento, que o autismo é leve, quando na verdade o que você está querendo é denominar uma pessoa de alto funcionamento com autismo.

Então, essa pessoa pode ter um bom QI ou uma boa compreensão verbal ou uma boa expressão verbal, mas seu autismo é normalmente tão grave quanto o de uma pessoa descrita com autismo de baixo funcionamento.

Então, por favor: usem alto funcionamento para a pessoa, não para o autismo, de maneira a permitir uma compreensão mais profunda de quão grave o autismo pode ser, mesmo para alguém com Síndrome de Asperger..."

(Dr. Christopher Gillberg, em out/2005 no auditório do InCor em SP)

Dr. Simon Baron-Cohen, diz no seu livro "Diferença essencial: a verdade sobre o cérebro de homens e mulheres.":

"...Dirijo uma clínica em Cambridge para adultos com suspeita de serem portadores da síndome de Asperger. Esses indivíduos não tiveram os problemas detectados na família nem na escola enquanto ainda eram crianças.

Assim, atravessaram a infância e a adolescência aos trancos e barrancos, e chegaram à idade adulta acumulando dificuldades, até serem encaminhados à nossa clínica, desesperados pela falta de integração, por se sentirem diferentes.

Na maioria dos casos, esses paciente sofrem também de depressão clínica, já que não encontram um ambiente, em termos de trabalho e de companheiro(a), que os aceite em sua diferença. Querem ser eles mesmos, mas são forçados a "vestir" um personagem, tentando desesperadamente não ofender, dizendo ou fazendo a coisa errada, e ainda assim, sem saber quando vão receber uma reação negativa ou ser considerados" seres estranhos".

Muitos deles se esforçam em administrar um enorme conjunto de regras relativas ao comportamento em cada situação, e consultam de minuto a minuto uma espécie de tabela mental, buscando o que dizer e o que fazer. É como se tentassem escrever um manual de interação social baseado em regras de causa e efeito, ou como se quisessem sistematizar o comportamento social, quando a abordagem natural à socialização deve ser através da empatia.

Imaginem um livro bem grosso de etiqueta sobre como agir em jantares,...mas escrito em detalhes, para cobrir todas as eventualidades do discurso social.

Claro que é impossível aprender tudo, e embora alguns desses indivíduos brilhantemente quase consigam, acabam fisicamente exaustos. Quando chegam em casa depois do trabalho, onde fingiram interagir normalmente com os colegas, a última coisa que querem é socializar. Só pensam em fechar a porta do mundo e dizer as palavras ou praticar as ações que tiveram de reprimir o dia todo.

Gostariam que os outros dissessem o que pensam e que eles pudessem fazer o mesmo; não entendem porque não podem.

É difícil para eles compreender como uma palavra sincera pode ofender ou causar problemas sociais."...

POEMA EM LINHA RETA

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.


Fernando Pessoa
(Álvaro de Campos)


Publicações do blog (arquivo):